Monday, August 08, 2005

SEGUNDA SESSÃO

  • SEGUNDA SEÇÃO – JOSÉ CARLOS AVELLAR

José Carlos Avellar é crítico de cinema com colaborações em jornais e revistas especializadas. Co-autor de trabalhos sobre o cinema brasileiro e latino-americano - entre eles Le cinéma brésilien (Centre Pompidou, Paris) e Hojas de cine (Universidad Autonoma Metropolitana, México, - Avellar teve inúmeros ensaios publicados em catálogos de festivais de cinema como o de Manheim, Locarno e Valladolid. Autor de quatro livros, entre eles O chão da palavra: cinema e literatura no Brasil (1994) e A ponte clandestina (1995), Avellar é atualmente secretário para a América Latina da Fipresci, associação internacional de críticos de cinema.

  • A crítica de cinema mudou? Antes escrevia-se sobre cada filme que estreava. Na década de 50 havia cerca de 4 a 5 mil cinemas no país. Cada filme passava por pouco tempo, mas eram repetidas em cinemas de bairro. Agora há um terço do número de salas no brasil, 1600 salas aproximadamente. Entram no país cerca de 200 títulos (antes eram 600). Os centros de produção que chegam aqui hoje são poucos. 80% é hollywood e cinema dos EUA. Os modelos de pensar o cinema vinham ou da Europa ou dos EUA. Nos anos 40 e 50 pensava-se ou de acordo com Hollywood ou Europa (neo-realismo, por exemplo). A reflexão era feita em um parte menos nobre dos jornais. Havia um crítico titular e secundários. Os últimos escreviam sobre as salas acessórias. Escreviam sobre filmes búlgaros, poloneses, japoneses etc.
  • Comecei a trabalhar no JB no começo da década de 60. A redação tinha uma organização diferente. A redação era muito mais integrada, quem escrevia sobre música falava com quem escrevia sobre teatro. O poder de decisão era muito maior também. Os textos de análise e interpretação não tinham preocupação com a data de publicação, não precisava sair antes de ninguém, era melhor tratar em profundidade o assunto.
  • Alguns filmes como Deus e o Diabo, tinham críticas publicadas em capítulos. Se o filme merecesse uma página de jornal, ele ganhava uma página. E isso não impedia outras críticas de serem publicadas também. A cobertura, mais do que noticiar eventos, oferecia informações para que o leitor do jornal pudesse se relacionar criativamente com o evento e também com o meio cultural em si.
  • Isso se perdeu. A cobertura de eventos culturais hoje tem outra organização nos jornais, há uma perda. Uma proposta cultural que não obedeça às linhas hegemônicas do cinema tem grande dificuldade de ser apreciada pelo leitor e espectador. Em 97, a Rio Filme estava para lançar um filme específico, e fizeram uma pesquisa sobre o espectador de cinema. A idéia era estabelecer uma estratégia de lançamento. Pelo levantamento, surgiu uma situação inusitada. Não anuncie em jornal nem em TV. Jovens não lêem jornais. Tente um contato direto com as pessoas.
  • A crítica dava pontos de referência para o leitor. O crítico manifestava um gosto pessoal, por exemplo. O leitor era incentivado a estabelecer uma linha argumentativa, até para responder ao crítico. Hoje isso está em falta. O crítico diz “vá ver” ou “não vá ver” e não argumenta. Mesmo nos espaços de literatura, esse padrão aparece. A recomendação hoje é ter sido mais vendido, ou ao ser lançado nos EUA teve uma renda X ou Y. A tradição de se ter um suplemento literário tem desaparecido.
  • EDUARDO FERREIRA, Cuiabá
    • O império do mercado está de fato acontecendo. O mercado é o agente do imperialismo, o mercado é “deus”. As salas de exibição não tem interesse em exibir filmes brasileiros. Gostaria de saber o que vc acha da digitalização das salas, se poderia propiciar uma democratização para o cinema brasileiro.
  • AVELLAR – Não acredito em milagres. Esperar que isso vá resolver algo não vai adiantar. Existe uma área em que o digital invade, a parte de criação. É muito mais fácil hoje fazer um filme em casa. Entrar com esse produto no circuito tradicional não funciona. Antes, a dificuldade de se expressar cinematograficamente era nos equipamentos. Hoje é na distribuição. Acho que o digital. Há documentários brasileiros gravados em digital que por isso mesmo foram completados. Muitas vezes o Super 16 é mais barato que o digital e tem qualidade melhor. Quando o Glauber filmou o terra em transe, perguntaram qual era o equipamento chamado “Dib”. E esse era o nome do fotógrafo. Hoje usa-se o steadycam.
  • Hermano – O diagnóstico da perda me incomoda. Aqui eu tendo a concordar com essa visão.
  • YUNO de Natal
    • O filme Contra Todos é um exemplo. Essa qualidade não é inversamente proporcional ao tempo disponível? Será que ainda há tempo hábil para uma crítica pertinente?
    • Hoje não há especialização dos críticos.
    • O futuro do cinema é digital?
  • Avellar – Quando a Net anunciou o Telecine, a idéia era de que haveria 120 horas por dia para ver filme. Ninguém riu quando viu essa publicidade. O que um jornal tenta fazer com a cultura? Os críticos especializados nem sempre recebiam pelo que faziam. Existiam cineclubes, boca-a-boca era intenso. A oferta era muito maior. O jornalista hoje escreve sobre o que acabou de ler, sem muito embasamento na área. Hoje lê-se filosofia como se lê auto-ajuda. Não há tempo para se refletir sobre o que se lê ou vê. Várias críticas são simplesmente “republicadas”. Dizer se filme digital é cinema ou não é um preconceito. Não é a técnica que define o que é cinema. O que define é como vc usa expressivamente os recursos cinematográficos, é isso que importa. A maior facilidade de filmar com o digital leva muitas vezes à imitação.
  • O futuro do cinema é “cinematográfico”. A vontade é o que move qualquer atividade. A vontade está sempre adiante da coisa técnica. O ivento está sempre atrás.
  • YUSSEF, Manaus
    • A obra cinematográfica, por ter caráter efêmero, vai passar. No filme Tróia, chamamos dois professores da Federal do Amazonas. Fizemos uma discussão sobre a fidelidade do filme com relação á obra original. Com relação à Paixão de Cristo, fizemos uma matéria sobre pessoas desaprovando o filme, como pastores evangélicos. O jornal de maior circulação em Manaus circula com 8000 exemplares por dia. A repercussão é bem segmentada. A grande massa “deixou de ler jornal”. Prepondera a mera repetição dos releases. No seu texto, que fala do cinema brasileiro tendo a missão de criar filmes que não se fechem em si mesmos, podendo abrir discussões, isso deve servir de inspiração para nós jornalistas. Nós podemos ir além no enfoque.
    • Com esse tipo de enfoque viciado nas redações, quem poderia alavancar a visibilidade de novas formas de produção? A classe média?
  • AVELLAR – O quadro de Manaus não é exclusivo de lá. Os jornais estão perdendo leitores porque estão correndo a reboque da televisão. Querem ser tão rápidos quanto a TV. Com isso, abrem mão de uma função mais cultural, crítica. Macunaíma foi lançado com 800 exemplares em 1928, paga pelo próprio Mário de Andrade. Por um longo tempo circularam pouquíssimos exemplares do livro. O livro levou 50 anos para acontecer na cultura brasileira. Os jornais têm de se equilibrar entre mercado e expressões culturais. Outro livro, Mademoiselle Cinema, publicado dois anos antes de Macunaíma. O custo da produção americana continua a subir, impondo o cinema americano pelo mundo, impedindo um cinema local de emergir.
  • MAYRA, Aracaju
    • Há uma dificuldade de ter uma formação visual que vá além do cinema em Aracaju. Em Maceió só tem 6 salas de cinema. Há 16 salas apenas. Ficamos muito animados quando o segundo multiplex abriu. Os blockbusters entram em praticamente todas as salas. Há uma dificuldade de haver uma formação naquilo que não é de massa. O filme do Eduardo Coutinho, Edifício Master, foi muito importante para minha formação. Só consegui ver em um festival em que o filme era convidado, muito tempo depois do lançamento. O maior problema do cinema brasileiro é a distribuição. Os meus alunos estão fazendo cinema com câmeras digitais. Mas quem assiste? O que está faltando de políticas públicas nesse sentido? Em um curso com o Ismail Xavier sobre crítica de cinema, o ideal seria focar na “descrição”. Como falar de filmes que não estão mais em cartaz?
  • AVELLAR – Podemos até mesmo piorar esse quadro. Ao mesmo tempo, as coisas não são tão sem solução assim. 70% das salas estão no Rio e São Paulo. Nem mesmo no interior, mas nas capitais. Há uma enorme concentração. Há uma dieta cinematográfica pobre, além disso. A idéia é imitar ou hollywood ou a tv globo. Mesmo que o tema seja brasileiro, o modelo é de novela. Se a idéia é magia cinematográfica, o caminho é hollywood. Não é o jornalista que se empobreceu, mas o jornalismo como sistema. Não escrever sobre filmes que estão fora de cartaz é um dado do sistema. Há uma permanente histeria pelo novo. Não faz mal só ter filmes ruins. O espectador pode ver o filme ruim, mas com isso refletir sobre o conflito. Desenvolver uma relação crítica com o cinema, por exemplo. O caso do neo-realismo é exemplar. Quando acabou a guerra, emergiu o neo-realismo com Ladrão de Bicicleta, Paisà etc. O jornal perdeu legitimidade com seu leitor, porque renunciou a essa relação “dialética” com o leitor. Mesmo vendo filmes ruins, podemos descobrir propostas cinematográficas boas. O problema é não se estimular a relação crítica com outras formas culturais.
  • CAROL, Amapá
    • Houve uma experiência interessante em Amapá. O padrão Hollywoodiano acaba influenciando o modo de fazer cinema. Um documentário sobre uma festa chamada Santiago. Havia uma oficina, para produzir um vídeo (foi a primeira oficina de cinema por lá). Como selecionar? Só toparam ficar as pessoas que aceitavam a proposta de fazer algo diferente da globo e de hollywood. Isso já excluiu vários dos “candidatos”. Os participantes fizeram um curta, organizaram a estréia etc etc. Esse modelo único não é necessário. O jornalismo cultural entra justamente para mostrar essas possibilidades. A jornalista acabou se esquecendo de falar da iniciativa, mas se focou em se havia gostado ou não do filme.
  • AVELLAR – Boa parte da crítica acha que é o pai do espectador. Há uma atitude semelhante, como incitar brigas com a produção, em que a crítica é mais importante do que a produção. Ações críticas criam novas formas de relação com o filme. As pessoas que passaram pela experiência vão ver filmes de outra maneira. A idéia é se relacionar criativamente com o filme. Em um documentário, o que se documenta é o “modo de se ver as coisas”. “O processo criativos” do Marcel Duchamp é exemplar. A obra realiza apenas um percentual da proposta do artista. O que se pode fazer, então, com o trabalho crítico? Completar a obra, por exemplo. Acrescentar algo à obra. A crítica é uma participação criativa também.
  • GUSTAVO, Belém
    • A imprensa localiza a novidade musical, mas não consegue perceber novas formas de fazer cinema. Existe um site chamado customflicks em que qualquer pessoa pode mandar seu filmes. Há sites que têm festivais de cinema completos. Há coisas boas e ruins. Há várias pessoas que começaram nesses sites e foram chamadas pela indústria. A facilidade de distribuição também é exemplar. O melhor momento de se fazer cinema é agora. O caso do Mar Aberto é exemplar, foi feito com baixíssimo orçamento. Será que cinema hoje em dia é só o que passa no cinema? Já em 95 o Robert Rodriguez filmava em VHS, direto. Muita gente fazendo filmes direto para o DVD. Os realizadores mais novos estão percebendo que não dá para passar produções novas no cinema. Eu acho que o futuro é o cinema digital, nesse sentido de cinema independente e com capacidade de aumentar muito a produção feita hoje. As mídias hoje são extremamente eficientes. A imprensa precisava falar mais sobre isso. Não se fala dos filmes independentes.
  • Hermano – O cinema da nigéria é um exemplo, feito 100% para o mercado doméstico.
  • AVELLAR – Filme “O mensageiro”. Há um plano em que a câmera está no chão, seguindo um abelha. No fundo, vê-se um garotinho. Na televisão, não se via a abelha. Quando desloca o foco para o garoto, não se vê o garoto também. Filmes feitos para passar no cinema perdem muito na TV, não foram feitos para isso. Outros filmes, têm um impacto muito maior no cinema. Há formas de se servir dos recursos do cinema especificamente para a Internet e para o digital.

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